É possível
defender a política?
“A política, hoje, reclama, antes
de tudo, um debate qualificado, uma reflexão desprovida de preconceitos, um
efetivo exercício de cidadania. Uma das melhores formas de avançar e vencer o
cipoal de mediocridade que vivemos é por meio do conhecimento, das informações,
da troca salutar de ideias”
Nos dias que correm, às vésperas
de eleições para presidente, governador, senador e deputados estaduais e
federais, é possível, caro leitor, defender a política? Podemos, ainda que com
todas as evidências em contrário, defender a existência dos políticos?
Escândalos de corrupção, troca de acusações entre os candidatos, baixaria nos
argumentos e falta de espírito republicano são, quase sempre, presentes no
cenário eleitoral. Contudo, há que se insistir: é possível defender a política
e os políticos? Creio que sim! A política, hoje, reclama, antes de tudo, um
debate qualificado, uma reflexão desprovida de preconceitos, um efetivo
exercício de cidadania. Uma das melhores formas de avançar e vencer o cipoal de
mediocridade que vivemos é por meio do conhecimento, das informações, da troca
salutar de ideias.
Se me permitem uma singela
indicação, considero indispensável para qualificar o debate em torno da questão
da política a obra Em defesa da política, de autoria de Marco Aurélio Nogueira,
editora Senac, série Livre Pensar, de 2001. Há, neste escrito, um conteúdo de
primeira grandeza com o estilo acessível, sem a empolação muito comum em textos
acadêmicos. Há, segundo o referido autor, pouca política no debate político.
Este passou a depender mais do cronômetro do que dos argumentos. O tempo do
diálogo crítico é submetido ao tempo comercial da propaganda e do marketing
político. O cidadão se torna confuso e incapaz, muitas vezes, de decifrar as
informações que lhe chegam. A política e os políticos passam, sistematicamente,
a serem desqualificados. São colocados numa perspectiva maniqueísta: a política
como a fundamental representante de nossas mazelas.
O cerne da obra está no que ele
chama de as “três políticas” e suas principais características. Há a “política
dos políticos”, a “política dos cidadãos” e a “política dos técnicos”. Cabe
enfatizar que essa tipologia não tem a pretensão de esgotar a temática, mas,
apenas, reconhecer grandes linhas de compreensão.
A “política dos políticos” pode
ser considerada como “política com pouca política”. Isso, todavia, não pode ser
considerado como algo de menor valor. Pelo contrário. O que se dá é que neste
campo há uma dignidade bem específica. A política dos políticos encontra seu
limite na ideia da política como a “arte do possível e do indicado”. O realismo
e o pragmatismo são seus terrenos peculiares. O cálculo e até certa frieza são
superpostos à fantasia e à opinião. Para Nogueira, uma de suas máximas é: “não
se faz política sem vítimas”.
Na política realista as paixões e
ideias são contidas, estão sob controle, para que não se intrometam nas
singelas e ardilosas relações que franqueiam o acesso ao poder. No entanto,
existe o risco de uma degeneração. Esse tipo de política pode se tornar
realista demais, lançando por terra os valores. Pode se tornar politicagem,
alicerçada sobre o truque, as promessas, intrigas e disputas entre grupelhos e
facções com interesses amesquinhados. Essa é, assim, a face menos nobre da
política, mais desagradável e obscura. O poder e ambição são legítimos na
política dos políticos; ilegítimo é exercer o poder para fins escusos e
vislumbrar pequenas ambições que não atendam aos valores coletivos e
democráticos.
A “política dos cidadãos” é, por
sua vez, entendida como a “política com muita política”. Está concentrada na
busca do bem comum, no balizamento civilizado do conflito de interesses e da
diferença. Essa política rende tributos e valoriza o diálogo, o consenso e a comunicação,
na defesa da crítica e da participação coletiva. É uma aposta na capacidade
criativa dos homens. É, também, uma entrega apaixonada e categórica às
possibilidades da política. Seus protagonistas são os partidos, os grupos e a
massa, mais do que a personalidade talentosa. Não que o indivíduo não possa
exercer uma liderança que o projete. Mas essa projeção individual está
lastreada numa relação entre o todo e a parte, numa reciprocidade em que os
interesses que devem prevalecer sejam os coletivos e não os individuais. Para
que se efetive essa política dos cidadãos se faz necessário uma educação para a
cidadania, o constante exercício da democracia e da valorização do diálogo.
Todos devem ser corresponsáveis pela vida comum, pelas decisões e pela resolução
dos conflitos.
Temos, por fim, a “política dos
técnicos”: a “política sem ou contra política”. Em tempos como o nosso, de
racionalidade instrumental, da hipervalorização da técnica e de desencantamento
do mundo, essa é a que parece predominar. É a política dos técnicos, dos
executivos, de algum modo associados à tecnocracia. De acordo com Nogueira, sua
máxima pode ser compreendida como: “onde há política ou poder, há corrupção”.
Para os técnicos a sociedade estaria querendo retornos pontuais, pragmáticos e
sem riscos, não havendo a necessidade de ideologias, programas radicais e
promessas. O desprezo do cidadão é patente, porque os técnicos são possuidores
de uma verdade, verdade tecnicamente alcançada. O cidadão se torna um mero
homologador de decisões. O debate público e o diálogo crítico são esvaziados.
Trata-se, infelizmente, de uma forma de fazer política que se coaduna com nossa
época.
Como dissemos acima, a essas três
formas de política podem ser acrescentadas várias outras ou, então, conjugadas
essas que apresentamos. A dinâmica da sociedade nos possibilita compreender o
jogo da política e não o contrário. A política tem uma base que a sustenta e
disso não se esquece o autor. Condenar toda a política e todos os políticos é,
sem dúvida, posicionar-se comodamente na ala dos conformistas e esbravejadores
de plantão. Compreender os processos políticos e sociais para além do senso
comum é mais trabalhoso. Necessita de um tipo especial de inteligência. E essa
inteligência carece de obras do quilate de Em defesa da política.
por Congresso em Foco |
29/09/2014
Rodrigo Augusto Prando*
*doutor em sociologia e professor
e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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