OAB: do silêncio aos direitos civis
Uma entidade que nasceu amalgamada com o Estado saído da Revolução de 30 cresceu liberal e antigetulista, silenciou no golpe militar de 1964, acordou para a Anistia e a redemocratização, foi ardorosa defensora da reorganização dos direitos civis celebrados na Constituição de 1988 e abdicou da luta por reformas estruturais – eis em poucas linhas a genealogia política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), extraídas do gigantesco trabalho de Aurélio Wander Bastos, advogado e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Bastos acaba de publicar dois volumes sobre a Ordem e prepara um terceiro. São calhamaços de mais de 500 páginas cada um, em que o autor traça a rota do que discutiu, pensou e agiu a organização dos advogados do país.
Não se afaste da ideia, porém, quem achar que os livros se restringem as estudos jurídicos. São obras destinadas aos advogados mas, sobretudo, aos interessados pela história do país e, em especial, àqueles que se preocupam em entender as relações de poder entre uma relevante entidade civil e o Estado brasileiro. Tanto que dois cientistas políticos assinam os respectivos prefácios: Candido Mendes e Renato Boschi. Ambos reconhecem os méritos de uma pesquisa exaustiva.
Os dois primeiros livros chamam-se A OAB e o Estado de Direito no Brasil e A OAB e o Estado de Segurança Nacional. O terceiro ganhará o título A OAB e o Estado Democrático de Direito. Parece tudo uma coisa só, mas não é. “A separação dos volumes ajuda a entender as contradições inerentes enfrentadas nas relações com a política, com o Estado e com as ideologias de cada época”, resume o autor à coluna. Só uma imbricada combinação de tensão política, conveniência partidária, pensamento ideológico do comando do momento e vinculação ou autonomia em relação ao Estado explica as mudanças entre a OAB de Levi Carneiro nos anos 30, de Miguel Seabra na década de 50, de Raymundo Faoro no fim dos anos 70 ou de Márcio Thomaz Bastos na década de 80.
A OAB nasceu influenciada pelo corporativismo da Primeira República e umbilicalmente ligada ao Estado. Apesar desse contexto, contribuiu de início para o “desmonte do Estado patrimonialista”. Não tinha autonomia, mas ajudou a separar o que eram funções públicas e privadas. O primeiro estatuto criava impedimentos para o exercício da profissão. Antes, por exemplo, um juiz continuava advogando. (Não rompeu com o nepotismo, mas essa é uma outra história).
A segunda fase surge com a luta contra Getulio Vargas. Com a cúpula da OAB tendendo para o liberalismo à moda UDN, a entidade se volta radicalmente contra o getulismo e o trabalhismo. Em seguida, com Milton Campos e Pedro Aleixo (responsáveis pelo novo estatuto, aprovado em abril de 1963), alia-se aos militares e apoia o golpe. As atas da época registram alegria incontida com os novos ventos trazidos pela “revolução”. Desse período, vale a pena ler o também recém-lançado Modernidades alternativas, que tem um artigo assinado pela historiadora Denise Rollemberg.
Os dois professores mostram, no fundo, o tamanho da ambiguidade da OAB nos primeiros anos da ditadura militar. Ensinam que o Conselho Federal da Ordem oscilou entre o apoio ao regime, o silêncio e a crítica discreta às prisões e restrições às prerrogativas profissionais. (Simpatizante arrependido do golpe, Sobral Pinto foi um dos poucos a travar brigas solitárias contra o AI-5). A reação só viria mais tarde, com a diretoria que tomaria pé na necessidade de pôr fim ao regime – Raymundo Faoro à frente. À radicalização pró-abertura seguiriam os atentados às sedes da OAB e da ABI e ao Riocentro. O resto é história.
O último período se dá com a Constituição de 1988 e o comando de Márcio Thomaz Bastos. “Foi o momento da ênfase aos direitos civis”, explica Aurélio Wander Bastos. “Havia um debate estratégico: ou se apoiava na ideia de que a nova Constituição era o caminho para continuarmos a luta democrática ou seguiríamos um caminho de destruição das matrizes estruturais do atraso. Optou-se pelo primeiro caminho”. Foi quando a Ordem passou a dedicar-se a reformas específicas, voltadas para leis de proteção social e de cidadania. Para Bastos (o autor), a luta pelos direitos civis “sufocou a luta de classes”. Garantiu avanços consideráveis nos chamados direitos individuais, coletivos e difusos, mas fez o debate das reformas estruturais “perder-se no tempo”.
Os dois primeiros volumes não tratam disso, mas à coluna o advogado lembra que a última grande ação política da OAB se deu no impeachment de Collor – graças, segundo ele, a um vácuo entre o antigo e o novo. O estatuto de 1963 já caducara, e um novo só sairia da fornada em 1994.
http://www.jblog.com.br/politica.php
15/09/2009 - 00:02 | Enviado por: Mauro Santayana
Por Rodrigo de Almeida
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
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